#39 Cagliari 1969-70
Inglaterra é uma ilha, não conta. Alemanha não tem ilhas, também não conta. Sobram Espanha, França e Itália, dos cinco maiores campeonatos da Europa. E agora? É ver um clube de uma ilha a sagrar-se campeão nacional e eis o Cagliari 1969-70.
A aventura começa muito antes, nomeadamente com a contratação do avançado Luigi Riva ao Legnano em 1963. Na altura, o Cagliari anda pela Série B e, de chapa, sobe à 1.ª divisão como vice-campeão, atrás do Varese.
O que se segue nas épocas seguintes é uma gestão criteriosa com base em reforços cirúrgicos, sobretudo em 1964 (Niccolai, Cera, Nené) e 1968 (Albertosi, Zignoli, Tomasini). No Verão 1969, o Cagliari aceita o negócio um-por-dois com o Inter: sai Boninsegna, entram Gori mais Domenghini. Perfetto, o Cagliari não mais será o mesmo. Nem a Itália.
Partida, largada, fugida. Ou talvez não, o arranque é insonso com 0:0 vs. Sampdoria, em Génova. Adiante, o Cagliari já é líder isolado à 5.ª jornada e nunca mais se deixará apanhar. No final da primeira volta, três pontos de avanço sobre o trio Fiorentina-Inter-Juventus. No final do campeonato, quatro sobre o Inter.
O jogo mais tremido é em Turim, a 15 Março. Separadas por dois pontos, as duas equipas entram para ganhar. A Juventus ganha vantagem com um autogolo espectacular de Niccolai e, à beira do intervalo, Riva empata. Na segunda parte, o árbitro internacional Lo Bello apita penálti discutível na área do Cagliari. Chamado a atirar, Haller atira e Albertosi defende. Explosão de alegria. Lo Bello apita e manda repetir, Explosão de raiva. Agora é Anastasi e faz o 2:1. O Cagliari atira-se para a frente e é recompensado com o empate, graças a outro penálti duvidoso, transformado (à primeira) por Riva.
O empate anima o Cagliari e desconcentra a Juventus, derrotada pela Fiorentina em Florença no domingo seguinte por 2:0. É como se se estendessem a passadeira para a consagração. Que classe, que equipa. Com 21 golos de Riva (o melhor marcador da 1.ª divisão pela terceira vez), o Cagliari solta o grito de campeão a duas jornadas do fim, vs. Bari (2:0). Riva, óbvio, marca o seu, de cabeça, e desata a loucura na Sardenha, uma ilha pouco ou nada considerada pelo resto da Itália.
Aliás, o guarda-redes Albertosi, contratado à Fiorentina em 1968, dá um testemunho nesse sentido. ‘Quando me falaram em Cagliari, não me senti tentado, nem sequer feliz da vida. Nós, em Florença, falávamos mal da ilha. Que era só para férias ou para aceitar reclusos perigosos. Quando cheguei lá, a desconfiança desapareceu automaticamente e percebi que é um dos meus lugares de Itália. O mar da Sardenha é o mais bonito de Itália.’
Pela primeira vez na história do futebol italiano, uma equipa abaixo de Roma é campeã nacional. O mérito é do presidente Efisio Corrias, ex-polícia e político em actividade na ilha, mais da equipa, toda ela generosa, e ainda do treinador Manlio Scopigno. Uma figura, Scopigno. Alcunhado de filósofo, é nome de bancada do novo estádio do Cagliari (estreado na época seguinte à do scudetto inédito) e até de rua naquela cidade.
De trato afável e paciente qb, Scopigno reúne uma série de histórias do arco da velha. Como aquela contada pelo capitão Cera, a propósito de uma viagem ao norte para jogar na Taça de Itália. ‘Estávamos uns sete ou oito a jogar póquer e a fumar desalmadamente no quarto de alguém, já noite alta, e batem à porta. Abriram-na e era ele, Scopigno. Entrou e, quanto se sentava à mesa, perguntou se se podia fumar. Meia-hora depois, acabámos o jogo e fomo-nos deitar. No dia seguinte, ganhámos 3:0.’
Nesse Verão de 1970, a Itália joga o Mundial e o seleccionador Ferrucio Valcareggi convoca cinco jogadores do campeão, quatro dos quais participam na final perdida vs. Brasil.
(a negrito, os jogos fora)
Sampdoria | 0:0 | |
Vicenza | 2:1 | Domenghini / Riva |
Brescia | 2:0 | Domenghini / Riva |
Lazio | 1:0 | Brugnera |
Fiorentina | 1:0 | Riva (p) |
Inter | 1:1 | Nené |
Nápoles | 2:0 | Riva-2 |
Roma | 1:0 | Nené |
Juventus | 1:1 | Domenghini |
Verona | 1:1 | Greatti |
Bolonha | 1:0 | Riva |
Palermo | 0:1 | |
Bari | 0:0 | |
Milan | 1:1 | Riva |
Torino | 2:0 | Gori / Riva |
Inter | 2:1 | Muiesan-2 |
Sampdoria | 4:0 | Domenghini-2 / Riva / Gori |
Vicenza | 2:1 | Riva-2 |
Brescia | 4:0 | Brugnera-2 / Riva / Gori |
Lazio | 2:0 | Domenghini / Riva |
Fiorentina | 0:0 | |
Inter | 0:1 | |
Nápoles | 2:0 | Gori / Riva (p) |
Roma | 1:1 | Domenghini |
Juventus | 2:2 | Riva / Riva (p) |
Verona | 1:0 | Riva (p) |
Bolonha | 0:0 | |
Palermo | 2:0 | Riva / Nené |
Bari | 2:0 | Riva / Gori |
Milan | 0:0 | |
Torino | 4:0 | Riva-2 / Domenghini / Gori |