Great Scott #755: Único guarda-redes a defender penáltis de Pelé e Eusébio no mesmo jogo?
Jan Ruiter
A vida de guarda-redes nunca é fácil. E antes de o ser idem idem. Veja-se o caso de Jan Ruiter. Nascido e criado numa aldeia no norte da Holanda, passa a infância entre a escola e o cemitério. Pois, é o primeiro trabalho do miúdo. E é lá no cemitério que Ruiter já imagina o futuro com remates contra a porta para defesas aparatosas.
O miúdo cresce com o tempo e o sonho, esse, acompanha-o sempre. O fascínio da baliza impõe-se, é mais que um desejo, é mesmo uma vocação. Dá-se então a transferência para o Volendam em 1964, com 17 anos de idade. A chegada ao clube é indiferente para a maioria dos companheiros e a situação só se altera daí a três anos, em 1967, quando os dois guarda-redes mais experientes do plantel se lesionam. Ruiter é chamado de emergência e o Volendam goleia 7:3, embora o guarda-redes cometa um erro na origem do momentâneo 2:0.
De volta à estaca zero, porque os dois guarda-redes recuperam-se das lesões (e também o estatuto), Ruiter espreita outra oportunidade em 1968, já na 1.ª divisão holandesa, em Breda, vs. NAC. O jogo corre-lhe de feição e nem assim o treinador se deixa convencer. Só em 1969-70 é que o Volendam aposta firmemente em Ruiter e o resultado é magnífico com 16 clean sheets em 34 jogos. Apesar do interesse de Ajax, PSV e Sparta, o Volendam adia o salto por mais um ano. O Volendam é recompensado pelo 10.º lugar, uma óptima classificação para um clube iô-iô, só que Ruiter já não tem mais os pretendentes à perna pelos motivos mais diversos.
Surge aí o Anderlecht e faz-se a transferência por 650 mil florins (agora 330 mil euros). Durante seis anos, Ruiter e Anderlecht são um mundo só. E conquistam não só a Bélgica (dois campeonatos e quatro Taças) como também a Europa (uma Taça das Taças e uma Supertaça). O problema volta a ser o treinador. Raymond Goethals, de seu nome. Os dois não vão à bola um com o outro, só que Goethals é o chefe. Daí que Ruiter seja suspenso, multado e, claro, posto de lado.
Até que chega o jogo de homenagem ao lendário Paul Van Himst, há já 15 anos no Anderlecht. Estamos a 26 Março 1975, o Anderlecht recebe uma selecção mundial com Pelé e Eusébio mais Katalinski, Viera, Altafini, Piot, Heredia, Van Hagenem, Rijsbergen, Cruijff (a lateral-esquerdo) e ainda o guarda-redes polaco Tomaszewski. Antes do início, Eddy Merckx é ovacionado pelo público belga. O mesmo acontece com João Havelange, com um fervor patriótico mais contido, vá. ‘Não há razão nenhuma para dar um chega para lá na candidatura da Argentina, é um país pronto para a Copa’, diz o poderoso chefão da FIFA a propósito do Mundial-78 e das críticas sobre a Junta Militar do General Videla.
Roooola a bola, sai o Anderlecht. E a estrela da companhia Van Himst marca o primeiro da noite, de penálti. Depressa, muito depressa, o Anderlecht passa para 3:0 com bis de Ladzinsky. A selecção mundial reduz por Altafini e aproxima-se do empate, novamente por Altafini. De repente, penálti à beira do intervalo. Pelé faz a famosa paradinha, Ruiter mergulha com intensidade e desvia para canto. O intervalo chega com 4:2, porque Van der Elst amplia a marca.
Ao intervalo, diz Ruiter, o homenageado Van Himst pergunta se o guarda-redes pode relaxar e não defender tudo. ‘Disse-lhe que não, que não sou assim, jogo é jogo.’ E lá vão eles para a segunda parte, tão ou mais desequilibrada que a primeira. Acaba 8:3, o golo da selecção mundial é do suplente Paulo César Caju. Pelo meio, mais um penálti. Agora é Eusébio. O português avança com boa conta, atira e Ruiter defende.
Sem drama, tanto Pelé e Eusébio passeiam-se alegremente na volta olímpica para a festa de Van Himst. Já o recorde de Ruiter é único.