Great Scott #821: Primeiro suplente a marcar um hat-trick na 1.ª divisão?
Mendes
A história de António Mendes é hilariante. A culpa é do próprio, claro, e também do Rui Osório, autor da muuuuuito interessante página ‘gloriasdopassado.blogspot.com’ sobre heróis e vilões do Vitória. À sua maneira, Mendes é herói e vilão. Mais herói que vilão, atenção.
Mendes nasce em Lisboa, no Campo Grande. Sempre atrás da bola, aparece um dia nos treinos do Sporting e o senhor Abrantes Mendes convida-o a assinar. Como é menor, Mendes tem de pedir autorização ao pai. Nada feito, o pai é benfiquista dos sete costados. Vai daí, pede ajuda à irmã e a assinatura é forjada no calor da irmandade. Num outro dia, Mendes vai treinar ao Benfica e os senhores Alfredo Valadas mais Francisco Ferreira oferecem-lhe o contrato. Mais um. Neste caso, o pai do jogador é tido e achado no assunto.
Resultado? Mendes treina no Sporting de manhã e no Benfica à tarde. Ganha 10 escudos antes de almoço e mais 25 depois do lanche. Às tantas, a marosca é descoberta. Sporting e Benfica inscrevem Mendes ao mesmo tempo na Associação de Futebol de Lisboa. É uma caldeirada, está visto. O pai decide o futuro do filho. Benfica, pois então.
Mendes faz-lhe a vontade e é bicampeão lisboeta de principiantes (agora juvenis). Nos juniores, Mendes passa a fasquia e é campeão nacional, vs. Leça. A final de 1957 é em Leiria e Mendes entra no Municipal com o número 10 nas costas. Aos 11 minutos, é ele quem provoca a expulsão do leceiro João. Se 11 contra 11 já é difícil para o inexperiente Leça, imagine-se 11 para 10. O Benfica desbobina o seu futebol e ganha claramente por 6:0. O homem da tarde é Mendes, autor de um hat-trick.
A subida ao plantel principal é uma realidade em 1958, lançado por Otto Glória. Na estreia da 1.ª divisão, o Benfica ganha 1:0 ao Torreense. E o golo já sabe quem o marca, certo? Pois é, Mendes enche o pé e toma lá disto. Começa aí a lenda do pé canhão. O seu pé esquerdo é temível. A cabeça também. O seu comportamento passa por altos e baixos. Otto ainda o desculpa aqui e ali. Já Guttmann não o deixa meter o pé em ramo verde e Mendes passa as passas do algarve. Nas épocas de consagração europeia em 1961 e 1962, Mendes raramente joga e nem um minuto faz nos jogos da UEFA.
Afastado da equipa por motivos disciplinares, Mendes perde ritmo e nunca mais entra no onze do Benfica com a regularidade pretendida. Às tantas, em 1962, o Benfica interessa-se por Pedras e o Vitória SC espeta um preço altíssimo para o negócio. Para amortizar a quantia, o Benfica sugere Mendes. O Vitória torce o nariz, sobretudo pela tal falta de cabeça do esquerdino aqui e ali em outras épocas, mas recebe-o de braços abertos na expectativa de que Mendes se reencontre.
Meu dito, meu feito. Mendes joga o seu futebol, sempre com o 10 nas costas, e deslumbra vezes sem conta. Ao ponto de até ser o primeiro internacional AA pelo Vitória SC, fruto do seu trabalho, Em nove épocas, 83 golos. É dose. Tudo dito sobre Mendes? Nem por sombras, o rapaz tem a capacidade de escrever história com agá maiúsculo na 1.ª divisão como primeiro suplente a marcar três golos.
Acontece em Outubro 1969, já Mendes acumula 32 anos de (boa) vida. Em Guimarães, ainda no Municipal, o Vitória recebe e goleia a CUF por 4:0. Mendes entra a meio da segunda parte para o lugar de Zezinho e assina o hat-trick nos últimos 10 minutos, aos 80’, 85’ e 89’. Na baliza, Gil nem o pode ver à frente. Que classe. Mendes, senhoras e senhores.