Great Scott #837: Quem passa um cheque a Ivkovic por um penálti defendido?
Balakov
O Verão é o período mais ideal para ir à praia. Ou visitar a hemeroteca para vasculhar jornais antigos desde os anos 60 até aos 90. O jornalismo dessa altura é de categoria, seja em forma de entrevista, reportagem ou tão-só crónica. Os futebolistas também pertencem à mesma estirpe, têm graça, expressam-se bem. Isto é, pensam pela própria cabeça. Vai daí, tudo funciona às mil maravilhas, a vida é bela. Para o jornalismo, para o futebol e para a sociedade em geral.
Quem lê esses jornais sente uma nostalgia vai-lá vai. Um dia destes, dei a ler uma página d’A Bola sobre um Sporting vs. Vitória FC em 1993. A história é sobejamente conhecida, certo? Sousa Cintra quer Atlético Madrid ou Nápoles para o sorteio da primeira eliminatória da Taça UEFA. O presidente do Sporting quer Futre ou Maradona para garantir receita já em Setembro. Sai-lhe a fava, vem aí o Nápoles.
No José Alvalade, 0:0 (Maradona é suplente, camisola número 16, e só entra nos últimos minutos). No San Paolo, outro 0:0 (Maradona já é titular, camisola número 10). Vamos para prolongamento. Nada feito, ainda zero golos. Nos penáltis, o Nápoles é mais certeiro. A bola de Gomes à barra é o fim de festa. Antes, Ivkovic dá espectáculo e defende o remate de Maradona – voltaria a defender um penálti do argentino daí a nove meses, outra vez em Itália, agora para os ¼ do Mundial-90.
No meio da decepção sportinguista dentro do balneário, Diego toca à porta e aparece para cumprir a aposta. Qual aposta? Ah pois é, Ivkovic fala com Maradona antes da marcação do tal penálti. Aliás, enerva-o. Desse curto diálogo, sai um valor: 100 dólares. O argentino entra no balneário do Sporting com a nota numa mão e a camisola na outra – a história da camisola 10 é deliciosa, porque é oferecida a um vice sportinguista chamado Ilídio Diniz, responsável pelo babysitting, digamos assim, de Ivkovic nos primeiros meses em Lisboa, e o dirigente entrega-a ao filho, um rapaz sem gosto por aí além pelo futebol, ao ponto de oferecer a relíquia a um amigo do peito, agora advogado.
Adiante, de volta ao futebol. Ivkovic sai do Sporting em 1993, na era Bobby Robson. É o tal Verão em que Cintra contrata dois guarda-redes ao Boavista, um é Lemajic, o outro é Costinha. Nenhum dos quais faz história (pela positiva) no José Alvalade. Pelo contrário. Lemajic é recordado pelo erro no golo de cabeça de Michael Laudrup, do Real Madrid, em pleno José Alvalade, enquanto Costinha é assinalado como culpado pela juventude e imaturidade pelo próprio Robson, na sua autobiografia, no irrecuperável 3:0 em Salsburgo, vs. Casino.
Adiante, outra vez. Ivkovic caça o seu rumo, sempre em Portugal, e inicia a época 1993-94 no Estoril. A meio da época, assina pelo Vitória FC e reaparece no José Alvalade para atazanar o juízo de alguns (muitos) sportinguistas. O jogo é rico em emoção. O Vitória abre o marcador aos 10 minutos, na sequência uma arrancada poderosa de Yekini desde o meio-campo. Perto da área, o nigeriano liberta para a esquerda, onde Paulo Gomes está isoladíssimo. O controlo de bola é mau, Lemajic cai-lhe em cima, só que o segundo toque de Paulo Gomes é o suficiente para silenciar os adeptos.
Antes do intervalo, Veiga Trigo não vê penálti de Figo sobre Sessay na área do Sporting e vê um penálti discutível sobre Paulo Sousa na área do Vitória. Chamado a bater, Balakov atira forte para o seu lado esquerdo. Ivkovic voa e, com a mão direita, afasta para canto. O Sporting só volta à carga na segunda parte e consome a reviravolta com golos de Cadete (arranque de Figo, com o capitão a ultrapassar Ivkovic antes do remate para a baliza deserta) e Vujacic (de cabeça, na sequência de um canto da esquerda de Figo, nos últimos instantes).
No final do jogo, Ivkovic é um homem assim-assim. Insatisfeito com o resultado, feliz com o cheque de Balakov. Como é que é? Ouçamo-lo.
Grande jogo que você fez.
Não foi só hoje. Desde que me estreei neste campeonato que tenho feito algumas boas exibições. Tenho de lutar pela vida.
E hoje teve muito que fazer.
Há muito tempo que não tinha tanto trabalho. Desde as competições da UEFA, com a camisola do Sporting.
E lá defendeu o penaltizinho da ordem.
Conheço muito bem a psicologia dos grandes jogadores. E a eles, de vez em quando, também a cabeça pára. Foi o que acontece ao Bala.
O que é que foi dizer ao Balakov antes do penálti?
O mesmo que ao Maradona.
O quê?
Que ele não ia marcar golo. E ele ripostou ‘ai vou, vou’. E eu, então, disse-lhe: ‘não vais, porque não foi penálti’. Sinceramente, acho que ele devia três pensado três vezes antes de escolher o lado para onde ia marcar.
Também não era difícil, você já conhecia os penáltis do Balakov.
Não, nunca defendi penáltis do Bala no treino. Era o Sérgio quem o fazia.
Fizeram alguma aposta?
O Bala já sabe o que perdeu.
Qual era a aposta?
Era ele não me marcar golos, mesmo de penálti
E que quantia vai pagar?
É um simples chequezinho, mas é segredo. Não tenho receio, o meu banco é o mesmo do dele. Não é necessário que ele me venha pagar hoje, pode fazê-lo com o dinheiro do prémio do jogo até à próxima quinta-feira.