José Fabian, o único sortudo do Grande Torino 1949

You Talkin' To Me? 05/04/2020
Tovar FC

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José Fabian, o único sortudo do Grande Torino 1949

­Campeã mundial em 1934 e 1938, a Itália do catenaccio ofensivpo faz um longo parêntesis para se dedicar às amarguras da Grande Guerra. Quando se volta a jogar futebol, uma equipa há a dominar todas as outras de uma forma nunca vista. A resposta óbvia é o Torino, não é? Ao lado.

Tricampeão italiano em 1946, 1947 e 1948, o Grande Torino (assim é que é) está lançado para o inédito tetra. Em finais de Abril 1949, antecipa-se o clássico com o Inter no Estádio San Siro (0:0) só para marcar presença no jogo de despedida ao capitão benfiquista Francisco Ferreira, no Jamor, a 3 Maio. Despedida? Essa é boa. O próprio Francisco Ferreira dá o toque, no discurso em pleno relvado do Jamor. “Isto é uma homenagem e não uma despedida.” E a verdade é que ainda jogaria duas épocas. A talho de foice, o capitão lembra os presentes de que a data para o jogo ficara agendada por ele e o avançado Valentino Mazzola, em Fevereiro desse ano, depois de um jogo entre Itália e Portugal em Génova.

No Jamor, assiste-se a um espectáculo digno de registo, com 40 mil espectadores, jogadas mirabolantes e sete golos. Leva o Benfica a Taça Olivetti, com os golos de Melão (2), Arsénio e Rogério. É uma terça-feira, 3 Maio 1949. À noite, as duas equipas jantam juntas no Restaurante Alvalade, em Campo Grande.

Passa-se um dia, já estamos na quarta-feira, 4 Maio 1949. O avião Fiat G 212 descola às 0952 do Aeroporto da Portela e faz escala para reabastecimento em Barcelona às 1315. Arranca da Catalunha às 1450. À entrada do espaço aéreo italiano, a tripulação já sabe o que lhe espera: um denso nevoeiro e visibilidade horizontal abaixo de 40 metros.

Às 1705, na manobra de aproximação ao aeroporto de Turim, o avião pilotado por Pierluigi Meroni choca com a torre da basílica de Superga. Todos os ocupantes morrem, todos sem excepção. Ao todo, 31 entre jogadores, dirigentes e jornalistas. Há uma consternação total em Turim. Em Itália. Na Europa. No mundo todo. Em Lisboa, por exemplo, milhares de pessoas visitam a embaixada de Itália para expressar a sua dor. Nas restantes quatro jornadas da 1.ª divisão, tanto o Grande Torino como as outras equipas, fazem-se representar pelos juniores. O tetra é uma realidade, tudo o resto é um mar de tristezas – aliás, a própria selecção italiana vai de barco para o Mundial-50 no Brasil.

Pormenor arrepiante: há um sobrevivente. Quer dizer, uma espécie de. Mais incrível ainda: depois de Superga, faz toda uma carreira em Portugal, como jogador e treinador. Chama-se José Fabian e morre nas Fontainhas (Cascais) em 2008, quase 60 anos depois da tragédia dos seus companheiros. Como? Como? A pergunta repete-se. A resposta vai ser dada ao jornalista Carlos Arsénio, do Record, em 1999. “Fui o único a escapar à morte, só porque não tinha passaporte. Como tinha deixado a Hungria para fugir de uma certa situação política, a minha documentação não estava em ordem e não me deixaram partir para Lisboa. Na altura em que tomaram essa decisão, naturalmente que fiquei muito triste, mas depois considerei-me um homem bafejado pela maior sorte deste mundo.”

Nascido e criado em Cluj como Iosif Fabian, o apetite pela bola cresce com a idade. Faz-se bom jogador da bola e é campeão romeno pelo Carmem Bucareste em 1941. “No ano seguinte, transferi-me para o Szegeb e fui campeão húngaro. Como a situação não estava nada bem na Hungria, com os inevitáveis problemas provocados pela guerra e a implantação de certas ditaduras, tornou-se normal os húngaros procurarem outros locais para viver. Um dia, entrei em contacto com o director técnico do Torino, um húngaro chamado Ernest Erbstein e padrinho da minha filha.”

De um momento para o outro, Fabian está a viver em Turim e a jogar no Grande Torino. “Foi a melhor equipa onde joguei e a última vez que joguei com eles foi um momento marcante para mim, porque marquei um dos golos da vitória sobre o Milan.” O Grande Torino joga em Lisboa e já não volta. “Já estava no aeroporto à espera deles para lhes dar um abraço de boas-vindas, quando, uns trinta minutos antes da hora prevista para a chegada, soube do trágico acidente ainda hoje não totalmente explicado.” Então porquê? “Do Aeroporto de Turim terão chegado a ordenar ao piloto para tentar aterrar em Roma ou Milão, tal era o nevoeiro, mas este terá tentado fazê-lo em Turim devido à insistência dos jogadores.”

E os dias seguintes? “O Torino nunca mais foi o mesmo e até eu próprio não me sentia em condições psicológicas para continuar a envergar a camisola do clube, pois recordava-me constantemente dos companheiros tão tragicamente desaparecidos do número dos vivos. Em Itália, ainda jogaria por Luchese e Bari, mas tentei a minha sorte noutros países.”

A aventura começa em França, ao serviço do Cannes. Depois segue-se Espanha, no Atlético Madrid. Só que. “Havia o problema dos estrangeiros e a federação espanhola não me autorizou a jogar. Foi nessa altura que um dirigente do Sporting chamado Júlio Oliveira Martins viu-me a treinar e convidou-me para assinar, juntamente com um húngaro [Janos Hrotko, do Saragoça].”

Coincidências da vida, Fabian chega a Lisboa. Estreia-se na festa de homenagem de Veríssimo e é campeão nacional 1953-54, com um golo à Académica, na primeira jornada. Na época seguinte, está presente noutro momento inesquecível do futebol português. “É o jogo em que o Sporting oferece o título de campeão ao Benfica, com um empate nas Salésias, vs Belenenses, que já se preparava para fazer a festa, quando o Martins marcou o 2:2 ao José Pereira a quatro minutos do fim.”

Por essa altura, já Fabian é José em vez de Iosif (é assim, o processo de naturalização). Sai do Sporting e muda-se para a outra margem. É jogador-treinador no Barreirense, 6.º classificado da 1.ª divisão. É responsável pelo lançamento de um tal José Augusto. Segue-se um périplo no Serpa, onde é campeão nacional da 3.ª divisão com dois futuros internacionais portugueses: Patalino e Teixeira da Silva. Do Alentejo para a Covilhã. Outra vez jogador-treinador. Ao lado de artistas como Cabrita, Cavém e Tonho. No acesso à 1.ª divisão, vitória sobre o Vitória SC. As viagens continuam por esse país fora, entre Caldas, Lusitano Évora, Olhanense, Farense e Barreirense. Emigra para Moçambique e é tricampeão nacional pelo Texáfrica de 1967 a 1970. Volta a Portugal e toma lá Chaves, Silves e Covilhã (onde treina o filho). O seu último feito é a subida dos juniores do Estoril à 1.ª divisão nacional.

E depois? “Estava no Imortal quando tive de encostar às boxes. Já não me sentia nada bem, nem em termos físicos, nem em tudo o resto. Quando deixei Moçambique, tive de abandonar tudo o que havia conseguido na vida, quer em dinheiro, quer do meu património. Restava-me, apenas, a condição de ser já um cidadão português.”

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