Rui Barros. “O Eriksson ainda me ligou para assinar pelo Benfica, mas quis ficar mais uns anitos no estrangeiro”
Rui Barros é daqueles jogadores improváveis. E, já agora, autor de uma das maiores carreiras de sempre. Vejam lá bem a evolução contínua: Varzim na 2.ª divisão 1985-86, Varzim na 1.ª em 1986-87, FC Porto 1987-88, Juventus 1988-89. Da Póvoa para Turim em três anos é um salto grande, enorme, gigantesco, xxl – à medida inversamente proporcional à do próprio Rui Barros. Pormenor delicioso: tanto Varzim como Juventus jogam de camisola às riscas verticais pretas e brancas. À falta de um onze televisivo do Varzim, apanhámos um da Juventus em pleno Giuseppe Meazza, antes do clássico com o Milan.
Número 1, Tacconi.
Grande, grande. Sucedeu ao Zoff na baliza da Juvetus e era um dos jogadores mais experientes da equipa. Um dos capitães, grandíssimo guarda-redes e uma pessoa acarinhada por todos, desde companheiros, dirigentes e adeptos.
Favero, 2.
No início da época, o titular era o Napoli. Só depois é que passou a ser o Favero, que era um rapaz italiano muito introvertido. E mais experiente que o Napoli. Aliás, o Favero foi titular na final da Taça dos Campeões com o Liverpool, em 1985.
De Agostini, 3.
Outro jogador com grande potencial, lateral-esquerdo de personalidade forte, com presença na selecção. O seu azar foi ter nascido na mesma época que o Maldini. Por isso, jogava pouco pela Itália. Pela Juventus, foram cinco épocas de intenso fulgor.
Galia, 4.
Trinco, um 6 de grande entrega e agressividade. Embora não tivesse grande técnica, nunca dava um lance por perdido e isso transimitia-nos uma força considerável no meio-campo.
Bruno, 5.
É daqueles jogadores que todas as equipas gostavam de ter, porque fazia todas as posições na defesa. Até no meio-campo, lembro-me dele a jogar a 6. Era de Nápoles e tinha uma raça ilimitada.
Tricella, 6.
Naquele tempo, o futebol italiano e até mundial joga com um central de marcação e um outro mais recuado, a que chamavam de libero. O Tricella controlava tudo lá detrás, entre o Tacconi e a linha defensiva. Ele controlava a saída para o fora de jogo, controlava a pressão alta, controlava tudo. Era um líder na sua essência, o capitão.
Marocchi, 7.
A estrela da companhia, um jogador fabuloso com um pé esquerdo fantástico. Era um 8 com uma capacidade enorme de passe, drible e remate. Bastante completo.
Mauro II, 9.
O Mauro I era de selecção, um ala direito muito forte no 1×1 e nos cruzamentos. O Mauro II foi um miúdo saído dos juniores.
Adiante. Zavarov, 10.
Foi dos primeiros russos em Itália, um 10 ambidestro. O pé esquerdo era tão valioso como o direito, nunca vi igual. Era top, top. Só que não se adaptou muito bem ao campeponato italiano nem à própria língua italiana. Foi o meu companheiro de almoço e jantar nos primeiros tempos.
Sozinho ou acompanhado?
Ele chegou sozinho a Turim, ainda era solteiro. Uns meses depois, veio o seu irmão. Os nossos almoços e jantares eram a três, com o seu intérprete.
Laudrup, 11.
Outro craque, o ídolo da equipa e dos adeptos. E não só os da Juventus, todos gostavam dele. Para mim, a Juventus vendeu-o muito cedo. Foi para o Barcelona, onde fez épocas de sonho.
Era porreiro, o Michael?
Gente de bem, do alto. Um bom vivant, saía muito para beber um copo. Tinha uma moral fora do campo, ahahahahah.
E dentro?
Um mágico, diferente dos demais. Às vezes, ficávamos a vê-lo a treinar e perguntávamo-nos como é que era possível aqueles truques com a bola, aqueles dribles, aquelas fintas. Como era possível? Nem hoje sei, ahahahah.
O treinador, Zoff.
Um senhor, um gentleman. Pessoa amigável, bom treinador, com uma moral incrível. Afinal de contas, tinha sido o capitão da Itália campeã mundial em 1982. Foi ele que me foi buscar ao FC Porto e quis levar-me para a Lazio.
A sério?
Disse-me, ‘Rui, tens as portas abertas para a Lazio’.
E?
Só não fui porque a Juventus não queria deixar-me sair para clubes italianos. Atenção, os dirigentes da Juventus sempre foram muito correctos comigo: ou ficas aqui e dependes dos estrangeiros ou então sais do país.
Havia propostas?
Quatro ou cinco clubes.
Além da Lazio, quem mais?
Celtic, Roma, Everton e Benfica.
Benfica?
Sim, sim, o Benfica de Eriksson. Ele chegou a ligar-me.
E o Rui?
Queria ficar mais uns anitos no estrangeiro.
Assim foi, assinou pelo Monaco.
Grande experiência. Estamos a falar de um clube que nunca tinha jogado uma final europeia e, de repente, chega à decisão da Taça das Taças. Para além disso, estamos a falar do Monaco, um clube com quatro/cinco mil pessoas no seu estádio.
Por falar nisso, como eram os estádios do futebol italiano?
A loucura total. Estavam sempre cheios, fosse o primeiro contra o segundo ou o último contra o penúltimo. As pessoas vibravam com o futebol e o futebol jogado era formidável. A qualidade dos nomes, a qualidade de jogo, a qualidade das equipas, a qualidade da selecção.
E os defesas que o Rui Barros apanhava pela frente?
Rigorosos, muito rigorosos.
Mais que os adeptos da Juventus?
Tenho uma história engraçada. Uma vez, num fim-de-semana sem jogos, sugeri à minha mulher – e ela está aqui ao meu lado agora mesmo – uma ida a Pisa. De Turim a Pisa eram uns 300 e tal quilómetros. Lá fomos. Chegámos a Pisa e a ideia era ver a torre, claro. Estacionámos, montamos o carrinho de bebé e…
E?
Sou muito dado. Isto é: se tiver de assinar autógrafos a toda a gente, dou na boa. Dessa vez, foi o caos. Enquanto passei incógnito, tudo bem. De repente, alguém reconheceu-me e a palavra espalhou-se. Olha ali o Rui Barros, olha ali o Rui Barros. Eeee, c’um caraças. Ao fim de uma hora de assinar autógrafos, viémos embora. Nem consegui entrar na torre, acredita? Por essa e por outras, optava sempre por casa. Raramente saía. E perguntava-me pelo Maradona.
?
Como é que o Maradona vivia em Nápoles? E o Baresi em Milão? Atenção, as pessoas eram adoráveis, só que acumulavam-se à nossa volta e lá se ia o nosso sossego familiar. Outro pormenor engraçado, eram adeptos de todos os clubes: Milan, Inter, Torino. Não havia só da Juventus. No meu caso, digo.
Só uma última pergunta. No banco desse jogo, Altobelli.
Como Zoff, outro campeão mundial 1982. Como Zoff, outro senhor. Um homem como agá grande mesmo. Sempre muito disponível fora do campo para ajudar toda a gente. Eu tinha 23/24 anos, ele 33/34 e ele não deixava que essa diferença se notasse.
Na estreia do Rui, faz três assistência para o Altobelli.
Pois ééééé, nunca mais me tinha lembrado. Ganhámos por cinco.
Vicenza, 5:1 para a Taça de Itália.
Pois, três assistências. Entendíamo-nos muito bem, dentro e fora do campo. O seu jogo baseava-se pela experiência, sabia onde e como posicionar-se.
O melhor marcador da Juventus dessa época é o Rui Barros, 15 golos.
Doze no campeonato.
Mais dois na Europa e um na Taça de Itália.
Ah pois, bom pormenor. Foi uma época de aprendizagem, com jogos míticos. Lembro-me de termos perdido 5-3 em casa com o Nápoles. Acabámos em quarto lugar. Ainda com o Nápoles, mais dois jogos na Taça UEFA. Em casa, 2-0. Em Nápoles, perdemos 3-0 após prolongamento. Mal aterrámos em Nápoles, o nosso autocarro foi empurrado por sei lá quantos adeptos. O ambiente que se viveu nesse viagem até ao hotel foi inacreditável, era scooters por todo o lado, durante todo o caminho. O Maradona fez o primeiro, de penálti, e o Careca empatou a eliminatória em cima do intervalo. Na segunda parte, nada. No último minuto do prolongamento, sofremos o 3-0. Menos mal, o Nápoles ganhou essa Taça UEFA.
Taça de Itália e Taça UEFA, certo?
Ganhámos as duas, uma ao Milan e outra à Fiorentina. Lá está, duas equipas italianas na final da Taça de Itália. Era o que dizia há pouco, Itália estava no centro do mundo. Se não era Milan, Inter ou Juventus, era Fiorentina, Torino ou Nápoles. A força italiana era do outro mundo.