Estrela, o 30.º aniversário da Taça
Estrela, 13.º classificado da 1.ª divisão. Farense, campeão da 2.ª, zona sul. Imagina esta dupla junta ao vivo e a cores no Jamor? Pois bem, faz hoje 30 anos. É um domingo, 3 Junho 1990.
O dia em que o avançado egípcio Hossan Hassan assina pelo PAOK e escapa-se a Sousa Cintra, presidente do Sporting. “Não pode ser, ele não pode ter feito isso. Estava comprometido com o Sporting. Só me faltava mais esta.” O dia em que o búlgaro Hristo Stoitchkov, já de malas aviadas para Barcelona, certifica-se como melhor marcador da Europa, com um golo (o 38.º da época) ao Slavia Sofia pelo SCKA Sofia. O dia em que o Salgueiros de Filipovic sela a subida à 1.ª com 2-1 em Espinho, o então líder da zona centro. O dia em que o Benfica Castelo Branco despede Félix Mourinho. O dia em que o brasileiro Nélson Piquet anuncia o pedido de nacionalidade portuguesa para maior comodidade dentro da Europa antes, durante e depois da F 1. O dia em que o boliviano Sánchez dá a vitória ao Benfica vs. Petro, em Luanda. O dia em que o Estrela levanta a Taça de Portugal. O treinador João Alves dá o onze da ordem: Melo; Rui Neves, Duílio e Barny; Chico Oliveira; Rebelo, Bobó e Nélson Borges; Ricardo, Baroti e Paulo Bento.
É precisamente este último quem solta o primeiro grito de golo no Jamor, aos 30 minutos. Segue-se o 2-0, através de Ricardo, num monumental e bem anunciado chapéu a Lemajic aos 63’. Curiosidade maiúscula, tanto Paulo Bento como Ricardo não marcam qualquer golo nessa época de 1.ª divisão. Guardam o momento para o Jamor. E bem, claro. Curiosidade xxl: tanto Paulo Bento como Ricardo têm só 21 anos de idade – a contrastar com o quarentão Melo à baliza. A mescla é made in João Alves, o mestre das Taças. É a sua quinta no currículo, a primeira como treinador – as outras quatro divide-as por Boavista e Benfica, sempre com as luvas pretas. Desta vez, João Alves tem as mãos à mostra. E gesticula imenso. É a emoção da Taça. “Grande dia. Muito empenho, muita seriedade e um Jamor a abarrotar, com invasão maciça dos adeptos dos dois clubes e até de outros.” Então? “Eu bem vi bandeiras do Sporting e do Benfica misturadas com as do Estrela da Amadora. Foi a verdadeira festa da Taça. Um momento digno do futebol português.”
João Alves é levado em ombros nesse final de tarde. “Lembro-me bem de uma tarja enorme em que se lia “João Alves para Primeiro-Ministro”, embora não me lembre se estávamos perto das eleições. E de uma cena inesquecível cá fora, depois de levantarmos a Taça, com os motards de Faro, que eram sei lá quantos, a fazerem um corredor gigantesco e a aplaudirem à medida que o autocarro do Estrela passava por eles. Até me arrepio todo só de recuar no tempo e rever esse episódio.”
E o outro lado, o do Farense? “O treinador era o Paco Fortes. Estava sempre eléctrico, aos pulos, com a cara vermelha de tanto barafustar, mas era competentíssimo. Cheguei a defrontá-lo como jogador em Espanha: eu no Salamanca, ele no Barcelona. Impagável.” Verdade, os dois jogam entre si para a Liga espanhola a 19 Março 1978, em Camp Nou. Ganha o Barça dos holandeses Cruijff, Neeskens e Michels por 3:1, com Fortes a abrir o marcador. Na primeira volta, é Alves quem dá o mote.
O prémio da vitória do Estrela é de 600 contos para cada jogador. É o fim de uma campanha altamente extenuante. Ao todo, nove jogos, quatro prolongamentos e um desempate por penáltis – em Braga, onde decide Ricky, numa quarta-feira à tarde. É um jogo repetição, que impede os portugueses de ver o particular Holanda-Itália em Roterdão na RTP2. Como o jogo da Taça é mercado para a mesma hora, o insosso 0:0 é substituído pela maratona de penáltis no 1.º de Maio. Serviço público é assim mesmo.
Pedro Xavier, agora um avô babado, é um dos intervenientes desse Estrela. Porque marca o primeiro golo da caminhada, vs Estoril, e porque consegue ver um cartão amarelo na finalíssima na condição de suplente. “Isso não é nada.” É só rir. “Rui, fui expulso duas vezes no banco, ambas pelo Estoril, uma em Alvalade, contra o Sporting, onde jogava o meu irmão, por fora-de-jogo mal assinalado, e outra em Guimarães, por um penálti apitado contra nós no último minuto.” Continuo a rir-me. “Nessa finalíssima, ainda aqueci para ver se jogava, só que as dores eram persistentes. Aliás, tanto eram que fui operado nesse Verão. Fui então para o banco e lá as coisas vivem-se de outra maneira, mais intensas e, às vezes, mais desesperadas.” Quem é o árbitro? “Fortunato Azevedo., levei o amarelo por bocas.”
E a festa? “Saímos do Jamor no autocarro do Estrela e aquilo nem andava, era aos bochechos. Chegámos à Amadora perto das 11 e entrámos no estádio à meia-noite. Só depois é que fomos jantar, já tardíssimo, com a família de todos os jogadores, treinadores e dirigentes.” Boa boa, e onde? “Uyyyyy, nem sei.” Pois, imagino. “Ahahahahah, não sei mesmo. Foi até às tantas, um jantar bem bom, curtido, sabes?” E a malta dessa conquista ainda se reúne? “Temos um grupo de Facebook que aquilo é piadas para um lado e para o outro. A nossa última vítima foi o Caetano. Excluído da finalíssima por limite de amarelos, foi expulso com dois amarelos na final da Taça pelo Beira-Mar em 1999. É galo. Ele a dizer-nos que tinha jogado três finais. E nós, três? Duas e e e e e e e e já vais com sorte.”
O caminho da glória
32 avos-de-final
Estrela 6:2 Estoril
1:0 Pedro Xavier
2:0 Ricky
3:0 Borreicho pb
4:0 Rui Jorge
4:1 João Pires
5:1 Ricardo Lopes
5:2 Lázaro
6:2 Duílio
16 avos-de-final
Estrela 0:0 Braga (após prolongamento)
Braga 1:1 Estrela (após prolongamento)
1:0 Radi
1:1 Duílio
(nos penáltis, 8:9)
1:0 Laureta
1:1 Duílio
2:1 Chico Silva
2:2 Caetano
3:2 Maside
3:3 Paulo Bento
x Fernando Pires
3:4 Jaime
4:4 Tiano
x Barny
(segunda série)
5:4 Vítor Duarte
5:5 Elias
6:5 Rui Manuel
6:6 Rui Neves
7:6 Marcão
7:7 Baroti
8:7 Quim I
8:8 Paulo Jorge
x Serrinha
x Melo
x Luís Manuel
8:9 Ricky
Oitavos-de-final
Marco 0:1 Estrela
0:1 Ricky
Quartos-de-final
Estrela 1:0 Tirsense
1:0 Basaúla
Meia-final
Estrela 1:1 Vitória SC
0:1 João Baptista gp
1:1 Ricky
Vitória SC 1:2 Estrela (após prolongamento)
1:0 Chiquinho Carlos
1:1 Duílio
1:2 Basaúla
Final
Estrela 1:1 Farense (após prolongamento)
1:0 Nélson Borges
1:1 Fernando Cruz
Finalíssima
Estrela 2:0 Farense
1:0 Paulo Bento
2:0 Ricardo Lopes