Great Scott #146: Quem é o primeiro árbitro internacional portugués?
Jorge Vieira
As conversas de café servem para espalhar cultura futebolística e há quem se espalhe ao comprido a desviar-se do essencial para barafustar sobre estatísticas desinteressantes de árbitros com vistas curtas, golos mal anulados, foras-de-jogo inexistentes, faltas por apitar e cartões vermelhos por mostrar. Em 1921, isso ainda não é bem assim. Já há cafés, sim. E futebol. Mas zero de contestação. E estatística sobre árbitros. Eles são mesmo o elemento neutro do espectáculo. Outros tempos, claro.
Ou alguma vez lhe passaria pela cabeça assistir em pleno século XXI a um Espanha-Bélgica apitado pelo capitão do Sporting? Não, claro que não. Mas isso é possível em 1921. Com Jorge Vieira. Nascido em Lisboa no século XIX (23 Fevereiro 1898), Jorge Vieira é daqueles apaixonados por futebol. Para se entender isto, é preciso assinalar a sua presença no primeiro Sporting-Benfica. Dito isto até pode parecer banal, mas acontece que a estreia do dérbi é em Dezembro 1907. Jorge Vieira só tem nove anos e mora no Dafundo. O jogo é em Carcavelos.
O que faz Jorge Vieira? Vai a pé de casa ao campo. E vê o jogo, por amor ao Sporting, o clube da sua vida. É admitido sócio em 1910 e faz-se jogador em terceiras categorias na lateral-esquerda (left-back, como se diz naquela altura). Aos 16 anos de idade, em 1914, estreia-se na primeira equipa, em substituição do habitual titular, um engenheiro inglês mobilizado para a 1ª Grande Guerra Mundial. Nunca mais sai do onze até à despedida, em 1932, já como capitão de equipa. Ou capitão perfeito, como é conhecido pela forte personalidade e cavalheirismo.
A braçadeira também lhe é atribuída na selecção nacional por 15 jogos consecutivos, Jogos Olímpicos Amesterdão-1928 inclusive. Por essa altura, já Jorge Vieira é um homem reconhecido em todo o país e fora dele. Vamos por partes. Em Portugal, tem um papel fundamental tanto no Sporting, onde faz 109 jogos, ganha cinco Campeonatos de Lisboa e é uma vez campeão de Portugal, como é cobaia da lei do fora-de-jogo, alterada em 1925, quando se estabelece que seria considerado “off-side” o jogador que permanecesse no meio-campo adversário além da linha da bola e não tivesse, no momento em que a bola lhe era passada, entre ele e a linha de baliza, pelo menos dois adversários e não três como anteriormente.
Ora bem, como Jorge Vieira é um poço de energia, é ele quem se torna o primeiro defesa-volante português. Sempre que pressente que a bola vai ser colocada nos pés do opositor que lhe está mais próximo, avança com rapidez no terreno, juntando-se aos seus médios e deixando-o fora de jogo. Para que a estratégia funcione perfeitamente, Jorge Vieira joga ligeiramente mais adiantado, tornando o sistema defensivo da sua equipa numa diagonal, cuja táctica faz furor até aos anos 50. No plano internacional, Jorge Vieira é o homem do momento em 1921. O então capitão do Sporting viaja de comboio até Bilbau para apitar o particular entre Espanha e Bélgica (2:0).
A imprensa espanhola dá conta de um árbitro português, de seu nome José Gómez Bieya, mas engana-se redondamente. É Jorge Vieira. Que se transforma nesse instante no primeiro árbitro internacional português. A sua actuação é enaltecida por todos e é até agraciado com a Cruz de Prata da Ordem de Mérito pelo Rei de Espanha. E transforma-se em conversa de café.
Todos os árbitros portugueses com 10 ou + jogos de selecções
29 Pedro Proença
25 Olegário Benquerença
24 Vítor Pereira
23 Lucílio Baptista
19 Artur Soares
15 António Garrido
11 Joaquim Campos
10 Rosa Santos