Cândido de Oliveira, a Supertaça é ele
Benfica ou Porto, quem ganha a Supertaça? A incógnita é enorme, como sempre. O Benfica é dono do melhor plantel do país, em recursos humanos e técnicos, por quantidade e qualidade. O Porto leva vantagem na estatística pela quantidade absurda de Supertaças conquistadas vs Benfica (10 em 11). Por isso mesmo, em vez de falarmos de suposições e considerações técnico-tácticas, aborde-se o tema como deve ser. Isto é, quem é Cândido de Oliveira, o homem com nome de supertaça?
Nasce como Cândido Fernandes Plácido de Oliveira no dia 24 Setembro 1896, em Fronteira, distrito de Portalegre. Aos oito anos de idade, em Julho 1905, o seu pai morre e o órfão Cândido é reencaminhado para a Casa Pia, onde se faz jogador da bola. E dos bons, a médio-centro. Com toque precioso e voz de comando. O Benfica acompanha-o desde o início e inscreve-o em 1914. Permanece por lá até 1920, ano em que volta à casa-mãe, onde venceria o seu quinto campeonato regional de Lisboa. No ano seguinte, a 18 Dezembro 1921, é o capitão da primeira selecção portuguesa de sempre, no particular vs Espanha, em Madrid (derrota por 3:1).
Terminada a carreira de jogador, Cândido continua ligado ao futebol como seleccionador nacional e é o responsável máximo pelo primeiro grande desempenho lá fora, nos Jogos Olímpicos Amesterdão-1928. Sem qualquer experiência internacional, Portugal elimina Chile e Jugoslávia até à eliminação nos quartos-de-final, aos pés do Egipto. Sobe a seleccionador principal num piscar de olhos e estreia alguns valores indiscutíveis do nosso futebol, como José Águas e Matateu.
Entre uma aventura e outra, é treinador do Belenenses no final dos anos 30 como alternativa a Artur José Pereira, de cama, adoentado. Durante duas épocas, de 1936 até 1938, recusa o ordenado e pede ao clube para continuar a pagar ao amigo de longa data. Alcunhado pelos mais íntimos de chumbaca, graças à sua figura física corpulenta e atarracada, Cândido é uma imensa figura humana e democrata, de convicções políticas contra os regimes totalitários de Hitler, Mussolini, Franco e até Salazar. A sua coragem intelectual só o leva a problemas e mais problemas.
Como funcionário dos CTT, onde desempenha a função de inspector, é o agente Pax ou H.204 (mais tarde H.700). Quer isso dizer, é um activo dos aliados contra a ocupação alemã e o seu trabalho de mestre consiste em organizar uma rede de rádio-telegrafistas como sistema alternativo e secreto na transmissão de informações. Também é homem para retardar a correspondência alemã por uma noite, o tempo mais-que-necessário para a dita cuja ser fotografada pelos serviços britânicos de contra-espionagem. Seria apanhado pela PIDE.
Brutalmente torturado e espancado a ponto de lhe partirem todos os dentes, passa quase dois anos desterrado na ilha de Santiago, em Cabo Verde, de Junho 1942 até Janeiro 1944. Escreveria o livro “Tarrafal – O Pântano da Morte”, publicado a título póstumo pela “República”, após o 25 Abril. No regresso a Portugal, onde só alcançaria a libedade a 27 Maio desse ano, oferecem-lhe os cargos dos CTT e o de seleccionador nacional. Só aceita o segundo. Abre só um parêntesis para fundar, como quem não quer a coisa, o jornal “A Bola”, com o tenente coronel Ribeiro dos Reis. O número 1 sai no dia 29 Janeiro 1945, custa um escudo.
Cândido jornalista? Oh yeaaah. Estreia-se na escrita em 1919, no diário desportivo “Vitória”. Depois ainda funde e dirige a revista “Football” mais os jornais “Gazeta Desportiva” e “Os Sports”, além de assinar artigos como redactor d’O Século. Craque. No campo téorico, a sua obra contempla quatro volumes dignos de registo: “Futebol, Desporto para a Juventude”, “Futebol, Técnica e Táctica”, “Sistema WM” e “Segredos do Futebol”
De volta ao futebol propriamente dito, treina o Sporting dos Cinco Violinos e sai-se com dois títulos seguidos de campeão nacional mais duas Taças de Portugal (4:2 ao Atlético em 1946 e 3:1 ao Belenenses em 1948). Em 1950, cobre o Mundial como enviado-especial d’A Bola e deixa-se ficar mais três meses no Brasil, por convite do Flamengo. A aventura no Rio enche-lhe as medidas. “O Estádio do Maracanã é um assombro, uma construção que se vê a quilómetros de distância, um templo do futebol mundial. Dá gosto jogar aqui. Além disso, o Brasil tem muita matéria-prima e, se não foram campeões do mundo este ano, sê-lo-ão, sem dúvida, daqui a uns anos”, vaticina com oito anos de antecipação – curiosamente, Cândido morreria com pneumonia durante esse Mundial-58, antes da final do 5:2 à Suécia.
A estreia no Flamengo é um 4:0 ao Canto do Rio, a 10 Setembro. Seguem-se mais 16 jogos e só mais três vitórias. Quando o Botafogo ganha 4:2 no Maracanã, o futuro de Cândido está traçado. “Não estou desanimado, foi uma experiência de vida que recordarei por muitos e bons anos. Tanto assim é que vou ficar aqui mais dez dias antes de partir para casa, onde anseio pelo Natal.” Sai do Rio no dia 13 Dezembro e aterra em Lisboa cheio de ilusão.
A Académica abre-lhe as portas e Cândido chega à final do Jamor, perdida para o Benfica por 5:1. Dois anos volvidos, já ao serviço do FC Porto, onde figura um craque chamado Pedroto no meio-campo, outra desilusão no Jamor provocada pelo Benfica (5:0), curiosamente treinado por Ribeiro dos Reis, o outro fundador d’A Bola. De volta a Coimbra, o mestre Cândido faz três épocas antes de embarcar na aventura de outro Mundial, o da 1958, na Suécia, onde se deixa enfeitiçar pelo Brasil de Garrincha e Pelé (quem não?). Apanha uma pneumonia e dá entrada no hospital em Estocolmo. Nada feito, a teimosia pelo jornalismo sobrepõe-se ao debilitado estado físico e acaba por morrer em trabalho a 23 Junho, na véspera do hat-trick de Pelé à França na meia-final (5:2). O funeral é grandioso, o corpo repousa em paz. O nome, esse, eterniza-se a partir de 1981, ano em que a Federação Portuguesa de Futebol atribui-lhe a Supertaça.