#10 Sampdoria 1990-91

Mais Spider Pig 01/30/2021
Tovar FC

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#10 Sampdoria 1990-91

É a melhor sequência de sempre do futebol italiano. A mais surpreendentemente democrática, queremos dizer. Ora veja, Verona 1985, Juventus 1986, Nápoles 1987, Milan 1988, Inter 1989, Nápoles 1990. Em seis anos, cinco campeões, só um repetente – ainda por cima, o menos improvável e o mais a sul do país.

E agora, 1990-91? Na ressaca do Mundial em casa, o Nápoles é o campeão italiano em título, o Milan acaba de levantar a Taça dos Campeões pela segunda época seguida e a Juventus é a detentora da Taça UEFA. E o campeão é? Senhoras e senhores, abram bem a boca de espanto e digam Sampdoria. O treinador dessa empreitada irrepetível é Vujadin Boskov.

Internacional jugoslavo (bronze nos Jogos Olímpicos Helsínquia-1952), o mérito de Boskov nem é tanto como jogador (extremo-direito) e sim como treinador. Na primeira experiência num clube, levanta a Taça da Holanda pelo Haia, em 74-75. Seis anos depois, o jugoslavo de Novi Sad dá nas vistas no Real Madrid com um campeonato e duas Taças do Rei (dobradinha em 1980). É nesse Verão que se dá um caso curioso, quando o Madrid apanha 9:1 do Bayern na Corunha, no Teresa Herrera, o mais famoso torneio do mundo. À chegada ao aeroporto Barajas, o treinador mais se parece um filósofo: “É melhor perder uma vez por nove golos do que nove vezes por um golo.” A frase continua bem fresca na memória de todos.

À saída de Madrid, segue-se o título de campeão da 2.a divisão italiana pelo Ascoli. É em Génova, onde jogara em 61-62, que Boskov assume um protagonismo inaudito (é também aí que morre, aos 82 anos). Repare nesta sequência: Taça Itália 1988, outra Coppa 1989 e Taça das Taças 1990. Caaaaalma, a missa ainda vai no adro.

Ponto da situação, a Sampdoria nunca ocupa o pódio da 1.ª divisão italiana. Nunca. O seu melhor é um 4.º lugar. Até 1990-91. É o único título de campeão da sua história e é de sonho. Por vários motivos, todos válidos: só três derrotas, cinco golos sofridos em 16 jogos fora, dupla vitória sobre Milan, Inter e Nápoles, vitória e empate vs Juventus. Como se isso fosse pouco, Vialli é o melhor marcador da competição, com 19 golos, mais três que o vice Matthäus (ya, o motor do Inter).

Ah, e há mais um pormenor: os três estrangeiros chamam-se Cerezo, Mikhailichenko e Katanec. Juntos, só fazem três. O que diz bem da sua (escassa) influência, ao contrário das outras equipas de topo, como Milan (Van Basten, Gullit, Rijkaard), Juventus (Julio César, Hässler, Aleinikov), Nápoles (Maradona, Careca, Alemão), Inter (Klinsmann, Brehme, Matthäus), Genoa (Skuhravy, Aguilera, Branco), Roma (Aldair, Völler, Berthold),  Bari (Waas, Tukyilmaz), Lazio (Riedle, Rúben Sosa), Parma (Taffarel, Grun, Brolin), Pisa (Simeone), Fiorentina (Kubik), Atalanta (Stromberg, Caniggia), Lecce (Mazinho, Pasculli, Aleinikov), Torino (Amarildo, Martín Vázquez). Ufffff

Para analisar o sucesso da equipa, além da categoria suprema de Boskov, dos resultados extraordinários frente aos melhores e do goleador xxl Vialli, a essência dessa Sampdoria é o grupo dos sete anões. Nem todos jogadores, atenção. Temos o avançado Roiberto Mancini (o mudo pelo seu ar inocente), o outro avançado Gianluca Vialli (o dorminhoco porque os seus olhos parecem quase sempre semi-cerrados), o lateral Moreno Mannini (atchim porque faz todo o corredor), o director-desportivo Borea (sabichão pelo curso e mestrado), o treinador dos juniores Antonio Soncini (zangado pela cara fechada), o manager da academia Domenico Arnuzzio (tímido pelo seu silêncio, óbvio) e o dirigente Guido Montali (feliz pela piada fácil).

Falta a Branca de Neve. É Edilio Buscaglia, dono do restaurante Dilio, paredes meias com o estádio da Samp. Todas as quintas-feiras, a partir das 20 horas, o grupo dos sete anões encontra-se. Às 2010, já estão todos sentados. ‘Falávamos pouco de futebol, havia um pouco de política, do que líamos nos jornais, de episódios da vida comum. Mas o que gostava mesmo era de ouvir falar Vialli sobre as mulheres’. Montali na primeira pessoa. ‘O grupo era muito unido desde 1987 e foi das melhores coisas que vivi como pessoa. Aos jantares, só nós. De vez em quando, muito de vez em quando, aparecia um convidado especial. Boskov, por exemplo. Ou Mantovani [presidente]. Mihajlovic, duas vezes. Dossena, uma. E pronto, foi isto.’

Do plantel da Sampdoria, há quatro italianos da selecção no Mundial-90. Pagliuca e Mancini nem somam um minuto, Vierchowod só é opção no jogo de atribuição do terceiro lugar e Vialli passa completamente ao lado – começa a titular, falha um penálti vs EUA e é substituído no onze pelo goleador-surpresa Schillaci. Pelo meio, ainda leva com insinuações de homossexualidade. O Verão é para descansar a cabeça e o corpo. Ainda por cima, Vialli está lesionado e falha as primeiras sete jornadas.

O regresso é essencial, Vialli é o melhor em todos os aspectos, até na frieza dos 11 metros. É ele quem abre o marcador de penálti vs Inter, Juventus e Milan, sempre na segunda parte. Há mais, claro. Há mais heróis. Heróis curtos, do 1:0. Como Invernizzi, na jornada de abertura. Ou Vierchowod vs Roma no Olímpico. Ou Branca em dois jogos seguidos vs Cesena e Fiorentina.

O primeiro sinal de ‘olááááá, tu queres que este ano a Sampdoria ainda vai lá’ é outro 1:0, em pleno Giuseppe Meazza, vs Milan. Golo do avô Cerezzo (36 anos). Pela primeira vez desde 1982, a Samp é líder isolada. Para dar ainda mais força a essa ideia, 4:1 no San Paolo. E de virada. Pobre Nápoles, pobre Maradona. Os golos, enormes em técnica e aparato, pertencem a Vialli (dois) e Mancini (outros dois). Na semana seguinte, a primeira derrota. Em casa, no dérbi vs Genoa, com a responsabilidade quase toda a recair para o lateral brasileiro Branco, transferido via-FC Porto.

A Sampdoria acusa o toque e só ganha um jogo dos oito seguintes. Eischhhhhh. Calma, a vitória é a mais importante de todas, 3:1 vs Inter. É a tarde em que Vialli marca aos 25 segundos, Mikhailichenko é expulso por dar uma cotovelada em Bergomi e Serena faz um Bryan Ruiz, com 1:1 no marcador. Caso essa bola de cabeça de Serena entrasse (e é bom de salientar a capacidade xxl de Serena no jogo aéreo), o Inter assumiria a vantagem e, quem sabe?, a própria Serie A. Como a bola sai por cima, vem novamente ao de cima a classe de Vialli (2:1 de penálti) e Vierchowod (senhora jogada para o 3:1 de Mancini).

A qualidade dos homens de Boskov é impressionante ao longo do campeonato. Há jogos memoráveis como o 2:0 vs Milan em que Mancini dá água pela barba a Baresi e Maldini ou outro 4:1 ao Nápoles naquele que é o último jogo de Maradona na Serie A. Com três pontos de avanço (a vitória ainda só vale dois), a Sampdoria visita o vice Inter a quatro jornadas do fim.

O que se segue é um daqueles jogos raros em que o resultado é completamente enganador. O Inter poderia facilmente ter ganho por cinco ou mais e acaba 0:2. Ya, zero-dois. A estatística dá uma ajuda: 24 remates para o Inter contra seis da Samp, 14 defesas de Pagliuca contra nenhuma de Zenga e 13-1 em cantos.

Visto e revisto o resumo dos 90 minutos, é um ataque constante à baliza de Pagliuca, que provavelmente faz o jogo da sua vida e até defende um penálti de Matthäus, numa altura em que Mancini e Bergomi já estão no balneário com vermelho directo nos descontos da primeira parte.

Na baliza de Zenga, novidades? Só uma. Ou melhor, duas. E na mesma jogada: Lombardo acerta no poste e, na recarga, um defesa adia o golo de Vialli em cima da linha. Por falar neles, e golos?

Há um anulado a Klinsmann (bem ou mal, ainda é uma dúvida) e há dois limpos da Sampdoria. O primeiro é do improvável Dossena, o outro trintão do plantel (33 anos), num remate fora da área, junto ao poste. O segundo é do inevitável Vialli, após ludibriar Ferri mais Zenga até fixar o resultado. E, já agora, o título.

Com três pontos para alcançar nos últimos três jogos, a Sampdoria gere o campeonato à sua maneira. Primeiro, empata em Turim vs Torino (mais um golo importante de Invernizzi), depois sela o scudetto com um 3:0 sobre o já despromovido Lecce. O resultado constrói-se na primeira parte e todos os golos são de uma beleza inaudita, com remates de belo efeito a entrar na baliza como se a bola quisesse mesmo beijar a rede. Cerezzo, Mannini e Vialli, os autores dessa proeza.

No dia 19 Maio 1991, o futebol italiano assiste à coroação de um clube da classe média num país cheio de forças superiores.

(a negrito, jogos fora)

  • Cesena                   1:0           Invernizzi
  • Fiorentina            0:0
  • Bolonha                 2:1           Lombardo Mikhailichenko
  • Juventus               0:0
  • Parma                   0:0
  • Atalanta             4:1           Branca-2 Mancini De Patre (pb)
  • Milan                     1:0           Cerezo
  • Pisa                         4:2           Mikhailichenko Mancini Vialli Branca
  • Nápoles                 4:1           Vialli-2 Mancini-2
  • Genoa                     1:2           Vialli
  • Cagliari                 0:0
  • Bari                        1:1           Lombardo
  • Inter                       3:1           Vialli-2 Mancini
  • Torino                    1:2           Vialli
  • Lecce                     0:1
  • Lazio                      1:1           Vialli
  • Roma                     2:1           Vialli Tempestili (pb)
  • Cesena                  1:0           Branca
  • Fiorentina            1:0           Branca
  • Bolonha                3:0           Katanec Vialli Mikhailichenko
  • Juventus                1:0           Vialli
  • Parma                    1:0           Mancini
  • Atalanta               1:1           Katanec
  • Milan                      2:0           Vialli Mancini
  • Pisa                        3:0           Mannini Vialli Mancini
  • Nápoles                 4:1           Vialli-2 Cerezo Lombardo
  • Genoa                    0:0
  • Cagliari                  2:2           Vialli Mancini
  • Roma                    1:0           Vierchowod
  • Bari                        3:2           Vierchowod Mancini Vialli
  • Inter                      2:0           Dossena Vialli
  • Torino                   1:1           Invernizzi
  • Lecce                      3:0           Cerezo Mannini Vialli
  • Lazio                      3:3           Mancini-2 Vierchowod
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