Artur Jorge. ‘O Euro-96 pela Suíça foi, digamos assim, uma caldeirada’

Mais You Talkin' To Me? 02/13/2021
Tovar FC

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Artur Jorge. ‘O Euro-96 pela Suíça foi, digamos assim, uma caldeirada’

Bicampeão português pelo FC Porto, campeão europeu pelo Porto e campeão
nacional no estrangeiro. É a vida de José Mourinho e também a de Artur Jorge,
treinadores unidos pelo discurso, pelas conquistas e também pela vitória 400,
em épocas diferentes. Rei Artur em 2001, Mourinho em 2012.

Bom dia, é o Artur Jorge?
Sim, sim, bom dia.

Daqui Rui Miguel Tovar do i. Como está?
Olá, tudo bem, obrigado.

Desculpe incomodá-lo antes de almoço, mas é rápido.
Ora essa, avance.

O Mourinho alcançou a vitória 400.
Grande número, sem dúvida. Ligue-me quando atingir a 500.ª, a 600.ª e por aí
fora se faz favor.

Ok, ligo, mas antes diga-me se se lembra de ter chegado a esse número, em
Novembro 2001, pelo Al Hilal.

Eeeeee, vai buscar cada coisa ao baú. Não pode ser, não tenho essa capacidade, até porque nunca fui uma pessoa muito ligada à estatística.

Mas estou-lhe a dizer.
Acredito em si, claro.

E…
Se foi em 2001, já foi há muito tempo [risos]. Repare, antigamente – e nesta sociedade dez anos já é muito tempo – não se ligava nada ou quase nada a esses números.

Outros tempos, portanto.
Claramente. Treinei tantos clubes. Belenenses, Portimonense, FC Porto. Depois
aventurei-me em França, pelo Matra Racing, uma equipa com nome e prestígio. As coisas começaram a ser feitas antes de mim, mas o projecto era interessante. Acabámos por não fazer o pretendido e o Matra deixou de existir.

A seguir…
FC Porto, selecção nacional e outra vez França, agora PSG. Uma grande equipa,
um projecto ambicioso com o Canal Plus a financiar. Enquanto houve dinheiro
fizemos épocas formidáveis, com plantéis extraordinários: Ricardo Gomes, Valdo, Ginola, Weah, Lama.

Pano para mangas.
Sim, ganhámos a Taça de França num ano [1993], fomos campeões franceses
no outro [1994] e eliminámos o Real Madrid duas vezes. Não é para todos. Por
questões empresariais, não quiseram dar aquele título francês do Marselha
[92/93] ao PSG porque havia muita gente do Canal Plus em Marselha.

A seguir…
Benfica e a Suíça. Fui lá para o Euro-96. A pessoa que lá estava [Roy Hogdson,
entretanto contratado pelo Inter] queria regressar e arranjou confusão com
os amigos jornalistas. Treinar uma selecção é sempre um momento especial, mas
foi uma caldeirada, digamos assim. Tivemos azar no grupo: Inglaterra, Escócia
– ambas a jogar em casa – mais a Holanda. Em função da qualidade da Suíça, foi
um trajecto razoável.

A seguir…
Tenerife, em Espanha, Vitesse, na Holanda, novamente PSG, e virei-me para o
mundo árabe. Primeiro o Al Nasr, em que chegámos a quatro finais num ano,
depois o Al Hilal, em que fomos campeões nacionais com a equipa de reservas porque o plantel principal estava todo na selecção da Arábia Saudita. Acontece que lá o presidente manda mais que o treinador no preparo na equipa e isso
não é bem assim. Pelo menos para mim. Por isso saí.

Para?

Académica, em 2002. Ficámos na 1.ª divisão e então embarquei para o CSKA
Moscovo. Ganhámos a Supertaça russa [3-1 ao Spartak, após prolongamento]
mas repetiu-se o problema do Al Hilal: um presidente que quer mandar mais
que o treinador. Ele era amigo do Abramovich e queria ser campeão russo à 10.a
jornada. Ora bem, se alguém aparece e quer fazer, faz sem mim.

E agora, beco sem saída?
Experimentei África, com a selecção dos Camarões. Acredita que não perdi nenhum jogo, fundamentalmente à custa dos jogadores de qualidade. Das melhores experiências da minha vida. Pena aquele penálti falhado no último minuto a privar-nos do Mundial-2006. Pena também pelo fervor do público e pelo entusiasmo dos jogadores. Nem imagina a tristeza no balneário, todos a chorar.

Vejo que se aventurou novamente no Al-Nasr e acabou no Créteil.

França é um país do futebol. Quando pensamos em Paris, capital da Europa, capital da moda, capital da finança, com 20 milhões de habitantes, e só vemos uma equipa na 1.ª divisão, quer dizer…

Uma equipa que não é campeã francesa desde Artur Jorge, em 1994.
Pois, ainda por cima. É um caso estranhíssimo, o de Paris sem clubes de primeira nem interesse. Lembro-me de passear em Paris sem qualquer incómodo – no bom sentido, digo. No Porto, por exemplo, era menos possível passar invisível, as pessoas querem-te mais, param-te a meio da rua e têm o prazer de falar. Em
Paris é a indiferença. Agora não, é mais intenso. No meu tempo o Parc não enchia. Agora enche. Já lá fui ver um jogo esta época e o Parc a abarrotar. Quarenta mil, penso eu. Outros tempos, como lhe digo.

Mourinho ganhou pela 400.ª vez e ainda por cima foi assobiado na própria casa.
Mais um dado da diferença de épocas. No meu tempo não havia assobios. Também é verdade que nunca estive no topo da montanha que é o Real Madrid. Digo-lhe uma coisa, Mourinho é um nome incontornável na nossa história, a de Portugal e a do resto do mundo, agora e daqui para a frente. Tem 400 vitórias em quantos jogos?

590.
Quinhentos e noventa? E assobiam-no? É preciso [risos] coragem. Assobios no
meu tempo só quando a minha equipa era assaltada em casa. Lembro-me de um
PSG-Juventus [0-1], segunda mão das meias-finais da Taça UEFA em 1993. Fomos
tão, tão, mas tão roubados, nem imagina. Aí assim, justificam-se os assobios. Assobiar o próprio treinador é que… Talvez não o façam na 500.a vitória, quem sabe?

O que sei é que vou ligar-lhe nesse dia.
Esteja à vontade, é um prazer.

in jornal i, Nov 2012

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