Ponedelnik. ‘Sofria de asma e fui operado ao apêndice’

Mais You Talkin' To Me? 07/09/2021
Tovar FC

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Ponedelnik. ‘Sofria de asma e fui operado ao apêndice’

Do que se lembra do Euro-60?

De tudo. Tudo começa em 1958, quando o seleccionador Kachalin leva-me para um estágio de dois meses na China. A ideia era ir ao Mundial desse ano na Suécia mas lesionei-me no joelho direito e fiquei afastado durante uns meses. Quando voltei, Kachalin volta a apostar em mim. O obejctivo agora é o Euro-60.

Reentra na selecção assim sem mais nem menos?

Era o capitão da minha equipa, o SKA Rostov, e a minha autoridade era reconhecida por todos. Dizia então que eu podia entrar em campo sem a braçadeira de capitão que não fazia qualquer diferença.

Ok, continue.

Tinha um problema em mãos.

Então?

Sofria de asma, que piorava consideravelmente na Primavera. Então estamos nós a treinar para o Euro-60 em Abril/Maio e eu passo o tempo fechado num quarto com uma série de ataques. Valeu o acompanhamento médico de Nikolai Alekseev. Esteve sempre ao meu lado a controlar-me-

Mesmo assim foi ao Europeu?

Sim, a confiança de Kachalin em mim era inquestionável. Eu ia ou ia.

E foi.

E fui. Chegámos a Marselha no dia 6 de Julho. Lembro-me desse dia porque a asma desapareceu

Ah bom.

E fui operado ao apêndice.

O quê?

É verdade [gargalhadas infinitas]. A viagem foi tão traumática, com chuva e trovoada, que o avião tremeu por todos os lados e eu, claro, fiquei verde. Quando aterrei, a asma passou-me. Não sei se fosse do stress ou da excitação geral, mas nunca mais sofri. O médico estava espantadíssimo, dizia tratar-se de um milagre.

E a apendicite?

Pois, esse foi o problema. Nessa tarde, fomos dar um passeio a pé e começou a doer-me a barriga de uma maneira atroz. Acabei o dia na mesa de operações. Lembro-me vagamente de alguns companheiros desejarem-me boa sorte e apaguei. Na manhã seguinte, acordei aliviado.

Mas jogou as meias-finais?

Sim, cinco dias depois. Com a Checoslováquia, que perderia a final do Mundial-62. Já então tinham uma equipa fantástica com Shroijf, Popluhar, Bubnik, Novak. Jogadores de classe mundial mas nós marcámos cedo pelo Ivanov e depois o Yashin defendeu um penálti. Eles desmoralizaram-se e aproveitámos a desconcentração para chegar ao 3-0. Eu fechei a conta.

Segue-se a final.

Com a Jugoslávia, que eliminara surpreendentemente os anfitriões franceses num inacreditável 5-4. Os franceses estiveram a ganhar 3-1 e 4-2 mas deixaram-se vencer por culpa do seu guarda-redes Lamia, que sofreu três golos estranhíssimos.

Portanto, URSS vs. Jugoslávia.

Isso. Fizemos a preparação do jogo em Chantilly, nos arredores de Paris. Na palestra, o seleccionador Kachalin pergunta se alguém quer falar. Por norma, ninguém diria nada mas o médico levantou o braço e disse só isto ‘eu sei quem vai marcar o golo da vitória: Poneldenik.’ Ainda hoje, não entendi o porquê daquela visão mas o certo é que realmente aconteceu.

No Parque dos Príncipes?

No Parc. Chegámos uma hora e meia antes do jogo e não pudemos aquecer no relvado porque estava a chover muitíssimo, e assim continuou durante todo o jogo. No balneário, o seleccionador disse ao Yashin e aos defesas para ficar alerta com os choques físicos na área porque o árbitro era um inglês chamado Ellis e ele era conhecido por deixar jogar nessas situações. Não é como agora.

Começa o jogo…

A bola ganha peso rapidamente e as nossas botas também. O que eu dava para jogar com umas Adidas!, mas o sapeteiro da selecção cozeu muito bem as chuteiras e elas não se estragaram por um momento. Sofremos o golo e fomos a perder ao intervalo. Na segunda parte, empatámos e levámos o jogo para prolongamento.

Foi que o Viktor marcou o 2-1?

Exacto, aos 112/113 minutos, não me lembro muito bem desculpe lá. Yashin atira para o meio-campo, a jogada vai para a direita, há um cruzamento e eu atirei-me à bola de cabeça. Subi mais alto que o Miladinovic e depois não vi nada. No instante seguinte, já estava com uma série de pessoas em cima de mim aos gritos. Foi a loucura. Os checoslovacos choravam como crianças e nós aguentámos o 2-1 até final.

Imagino a festa.

Aconteceu no dia seguinte num hotel perto da Torre Eiffel. Não havia medalhas, apenas a presença de ilustres como Santiago Bernabéu, presidente do Real Madrid. Ele estava tão animado que queria contratar metade da nossa equipa nesse baquete: eu, o Yashin, Metreveli, Netto. Mas nós não ligámos. Queríamos era voltar para a URSS.

E voltaram?

Sim, no dia seguinte. Fomos recebidos entusiasticamente em Moscovo, no Estádio Luzhniki. Tirámos uma fotografia com a taça e tudo.

E prémios de jogo da federação russa?

Antes do torneio, e como não acreditavam no título, prometeram-nos 200 dólares pela vitória. Depois, começaram a adiar e a adiar o pagamento. Dizem até que eu recebi um carro do Krustchev [presidente da URSS]

E é verdade?

Isso agora…

in jornal i, Jun 2012

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