Great Scott #333: Primeiro português vencedor da travessia do Canal da Mancha?

Great Scott Mais 07/15/2021
Tovar FC

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Great Scott #333: Primeiro português vencedor da travessia do Canal da Mancha?

Baptista Pereira

Os pormenores querem-se deliciosos. Como este: Joaquim Baptista Pereira está equipado com biquíni da marca Piroga, um exclusivo da Camisaria Adão, na Rua Augusta, 238. Estamos a falar de quem mesmo? Joaquim Baptista Pereira, o histórico vencedor português da travessia do Canal da Mancha em Agosto 1954.

Nascido em Alhandra a 7 Março 1921, Quim (como é conhecido) é filho de um pescador e de uma doméstica. Como mora ali à frente do Tejo, acompanha o pai nas pescarias sem dar cavaco ao desporto-laboral da lança da rede ao rio. O seu único interesse é dar umas valentes braçadas. Os pais não aprovam o estilo, Baptista Pereira finta-os constantemente. Quando os pais se zangam com ele, é frequente vê-lo a nadar até aos mouchões do Tejo e aí permanecer até as coisas acalmarem.

Em 1936, com 15 anos, acaba em terceiro lugar na sua primeira Travessia do Tejo. Nesse mesmo ano, em piscina, bate o seu primeiro recorde dos 400 metros livres, na categoria de principiantes, com o tempo de 5 minutos e 59 segundos – em 1937, baixa o tempo para 5’5’’. Em 1938, vence a Travessia do Tejo, uma clássica prova de fundo da natação portuguesa e depois é recordista nacional dos 1 500 metros livres juniores. Nos anos 50, Baptista Pereira atira-se para fora do pé – no bom sentido, claro. Nada entre Alhandra e Lisboa (35 km) em 5 horas e quatro minutos, bate o recorde europeu de Longa Distância e Permanência na água (26 horas e 12 minutos em 166,6 km) e bate o recorde mundial da Travessia do Estreito de Gibraltar.

Só lhe falta mais um recorde para atingir o estrelato. O de campeão na Travessia do Canal da Mancha, a 21 Agosto 1954. Os 19 nadadores (17 oficiais, entre quatro mulheres, e dois oficiosos: um libanês e um norte-americano) chegam ao largo da costa, de barco, às 21 horas, mas só chegam à praia às 23h. Nesse período, aquecem-se numa tenda. Todos menos um. O egípcio Hassan Hammad, mais conhecido como Crocodilo do Nilo, está a um quilómetro de distância dos restantes concorrentes. Um capricho.

No ponto de partida, acende-se um archote de magnésio que ilumina toda a praia, durante meia-hora. Passam 30 minutos da meia-noite quando o árbitro dá início à corrida. Ao clarão de um foguetão verde e à luz de uma pálida Lua em quarto crescente, entram todos dentro de água. O mar está calmo, praticamente sem vento.

O início de Baptista Pereira não é o mais famoso porque nada no caminho errado. Tudo não passa de um equívoco rapidamente sanado. Às quatro horas de prova, já o português domina a prova como bem quer. E assim continuará até ao fim. Baptista Pereira toca terra às 12h55. O sítio onde o nadador toma pé, a oeste de South Foreland Point, é considerado um dos pontos mais inacessíveis das falésias de Dover e muitos espectadores convencem-se de que Baptista Pereira seria obrigado a atirar-se à água. Tal não acontece.

Mais uma vez, os pormenores querem-se deliciosos. Leiam lá este parágrafo do jornalista Carlos Miranda. “Os últimos momentos são verdadeiramente emocionantes. Alguns amigos de Baptista Pereira, que se tinham deslocado propositadamente de Alhandra, fretam um ‘gasolina’ e vão ao encontro do grande nadador e caem de espanto quando vêem dois nadadores bem juntos. Seria possível que Hammad, o Crocodilo do Nilo…

Num desespero rompem todos a incitar o conterrâneo ‘Força, Baptista! Força, Baptista!’ e ficam estupefactos quando o nadador português se limita a fazer-lhes um vago aceno e continua a nadar calmamente e descontraído – o outro nadador era um inglês que se tinha atirado à água, para nadar ao lado de Baptista Pereira ‘just for fun’. O meio-dia aproxima-se. O Sol está a pino. A corrente arrasta-o e o português acaba por tocar terra, num sítio extraordinariamente abrupto e escarpado.

É tempo de fazer o sinal ao júri e cair, cansado, exausto. Baptista Pereira faz o tempo de 12 horas 25 minutos e um segundo dentro de água.” Com larga vantagem sobre o tal Crocodilo do Nilo, segundo classificado com 24 minutos de atraso. É um momento histórico para o desporto português. Obrigado Baptista Pereira.

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