Great Scott #339: De quem é a primeira nota 10 nos Jogos Olímpicos?
Nadia Comaneci
Domingo, 18 Julho 1976. Em Lisboa, o Sporting faz saber ao adjunto Fernando Mendes que Jimmy Hagan não conta com ele. No Porto, o Boavista divulga os valores da fantástica transferência do luvas pretas João Alves para o Salamanca: 7400 contos para o clube, 6500 para o jogador pelo contrato de três anos mais salário de 50 contos e ainda carro, casa e prémios de jogo. No Estoril, o jornalista Alfredo Farinha é eleito presidente numa Assembleia Geral com 110 sócios.
Muito bem, o país real está assim. E o resto do mundo? Ali para os lados do Canadá, há uns Jogos Olímpicos. Participam 6.804 atletas de 92 países em 21 desportos. Menos de 100 países, então? Há boicotes a torto e a direito, de 27 nações africanas mais Iraque e Guiana Francesa, em protesto pela falta de pulso do Comité Olímpico Internacional (COI) sobre a ida da selecção de râguebi da Nova Zelândia à África do Sul, então suspensa da comunidade internacional pela política racista do Apartheid. Como se isso fosse pouco, a escolha de Montreal como sede (em detrimento de Moscovo e Los Angeles) é um fiasco total. Em termos financeiros, é o maior prejuízo até aos Jogos-2004 em Atenas, com mais de 2,1 biliões de dólares de dívida, culpa do caríssimo Estádio Olímpico, o maior elefante branco de sempre. Em termos desportivos, a selecção canadiana não ganha sequer uma medalha de ouro, jamais visto e numa mais repetido na história da competição.
Calma lá, isto não é assim tão mau nem negativo. Os Jogos-76 entram na história pelo inédito registo de Nadia Comaneci. Ao segundo dia de Jogos, o tal domingo 18 Julho, a ginasta romena de 14 anos entra em acção nas barras e marca o perfeito 1.00. Como assim, 1.00? Não será 10.00? Isso é que era doce. O placard só tem espaço para três dígitos. Porquê? A Omega, marca responsável pelos tempos dos atletas olímpicos desde 1932, contacta o COI antes do arranque dos Jogos-76 e questiona sobre a possibilidade de alargar o placard para quatro dígitos. O COI responde assim: “Um 10.00 não é possível”. Bom, imaginam a cara dos COI’s quando Nadia Comaneci faz aqueles malabarismos todos em 20 segundos de pura magia e é obrigatório atribuir um 10.00? Daniel Baumat, então responsável pela tal pergunta sobre o alargamento do placard e presente em Montreal, só vê duas hipóteses: ou 1.00 ou .100. De repente, vê-se Comaneci exuberante ao lado de um 1.00. Amazing.
Nadia tem a palavra. “Nunca fui muito de olhar para trás e ver a nota mas, dessa vez, ouvi um barulho nas bancadas. Virei-me e vi 1.00. Uma companheira de equipa disse-me que só podia ser 10.00. Eu pensei o mesmo mas houve aquela fracção de segundo de dúvida e, depois, uma alegria imensa.” Dez pontos, perfeito. É a Nadia Comaneci. Nesses Jogos, haveria de somar mais seis dez. Um assombro. Insista-se: aos 14 anos. Se fosse agora, impossível – só se participa nos Jogos a partir dos 16. No regresso a casa, Nadia recebe o título de Herói do Trabalho Socialista, entregue por Nicolae Ceausescu. Lá fora, é altamente reconhecida ao ponto de ser eleita a atleta do ano pela Associated Press e United Press International.
Nos anos seguintes, a vida de Comaneci é um martírio. A menina cresce, ganha peso. Naturalmente. Um exemplo evidente é o dos Mundiais 1978 em Estrasburgo: Nadia já não tem 1,50m como em Montreal e sim 1,68. Nem pesa 47,2 kg e sim 53,7. Ainda por cima, cai durante um exercício nas barras. O resultado é um quarto lugar. Fora das medalhas, portanto. Só leva o ouro na trave.
Um ano depois, nos Europeus de Copenhaga, a boa e velha Nadia está de volta. E de que maneira. Toda a equipa romena é vítima de uma intoxicação alimentar na véspera do início da competição. Toda a equipa romena é levada para o hospital. Toda, não. Nadia vai a jogo e ganha três ouros, incluindo um 9,95 na trave. Enquanto a selecção romena voa para Copenhaga, a campeã tem de ir para o hospital e é operada a uma das mãos.
Nos Jogos-80, em Moscovo, ganha dois ouro e duas pratas. Fecha a loja em 1984, cansada do stress e, sobretudo, da pressão governamental. Tanto assim é que empreende uma espécie de fuga para a vitória em Novembro 1989. Durante seis horas, Nadia atravessa rios e lagos no meio de intensa floresta até chegar à fronteira com a Hungria. Daí é levada para a Áustria, onde apanha um voo para os EUA. No mês seguinte, o regime dos Ceausescus cai da forma mais sanguinária possível. Longe dos acontecimentos, Nadia só quer seguir a sua vida sem intromissões nem regras do arco da velha. Ainda hoje, aos 54 anos de idade, vive em Oklahoma, ao lado do marido Bart Conner, ginasta norte-americano vencedor de dois ouros nos Jogos-84.
Veja o extraordinário desempenho de Nadia